Capitalismo

Temos observado, nestes últimos tempos, que se vem criando, aqui ou acolá, por vários motivos, certa confusão sobre a palavra capitalismo.

Alguns, na ansiosa procura de uma “terceira posição” — isto é, de um estado de justiça econômica e social equidistante do capitalismo e do comunismo — desejam criar um “novo tipo de capitalismo”, isento dos abusos e desequilíbrios que ora se verificam. Outros confundem existência de capitais com capitalismo e, por isso, defende o sistema embora condenando os seus excessos. Em igual confusão incorrem os marxistas (socialistas e comunistas, que consideram a propriedade privada (capital) a base do capitalismo, tratando, por tal motivo, de suprimi-la, transferindo-a para as mãos do Estado. E há, também, os que afirmam ter sofrido evolução o vocábulo capitalismo, que, atualmente, teria adquirido um sentido diferente…

Poder-se-ia objetar que isso é um caso de interpretação, uma questão de palavras, de importância relativa. Todavia, seria um erro — e um erro grave — aceitar tal objeção, pois o assunto é de vital interesse para o mundo, sobretudo para aqueles que devem firmar doutrina e que se impuseram a missão de esclarecer os povos e conduzi-los para melhores destinos. Muito da confusão em que se encontra a Humanidade é devido à dubiedade ou multiplicidade de sentido de certas palavras. Para que os homens se entendam é necessário que usem termos claros e precisos, que não deixem margem a dúvidas ou incertezas.

Devemos ter em conta que, talvez devido ao espírito de análise que nos deixou o século XIX, tudo o que dizemos ou escrevemos é interpretado mais ao pé da letra do que mesmo em sua essência. Não podemos perder de vista ao mesmo tempo, a má fé e o maquiavelismo rasteiro daqueles que procuram semear a intriga e a divisão entre os homens, tudo deturpando em favor dos seus interesses escusos.

Tratemos, pois, de restabelecer a significação própria e incontroversa da palavra capitalismo.

Diz Cândido de Figueiredo, em sua “Gramática Sintética da Língua Portuguesa”, na parte destinada aos sufixos:

“… ISMO, que exprime “generalização do significado do nome a que se junta”, como em brilhantismo; “sistema, crença”, como em socialismo, cristianismo; “locução primitiva de uma região ou de uma nação”, como em provincialismo, galicismo.”

Capitalismo (capital + ismo) é, pois, um sistema. E, podemos afirmar, é também uma crença, porquanto constitui para muitos um verdadeiro tabu, autêntico fetichismo, cujos sacerdotes imolam milhões de pessoas e, não raro, a si próprios, ao insaciável Moloque do Ouro.

Vejamos, agora, o que diz o “Grande e Novíssimo Dicionário da Língua Portuguesa”, de Laudelino Freire e J. L. de Campos:

“CAPITAL, s. m. Quantia em moeda, mercadorias, imóveis, ações ou outros quaisquer valores ou direitos, que constituem o fundo de uma firma comercial ou industrial. 2. Importância que se põe a render juros; o principal de uma renda. 3. Cabedal em dinheiro aplicado em qualquer empreendimento. 4. Qualquer coisa que sirva de meio de ação ou utilidade permanente. 5. Econ. pol. Riqueza ou valores acumulados, destinados à produção de novos valores. 6. Riqueza. 7. Numerário.

CAPITALISMO, s. m. De capital + ismo. Influência ou supremacia do capital.”

“Capital, s. m. Dinheiro ou valores monetários, que constituem o fundo de uma empresa comercial ou industrial. Fig. Aquilo que constitui um fundo ou valor suscetível de produzir lucros.

CAPITALISMO, s. m. Influência ou predomínio do capital.”

Influência do capital existirá sempre, sem dúvida, em qualquer sistema econômico, pois o capital nada mais é do que a riqueza que o trabalho produz e que se utiliza de várias maneiras, seja na conquista das utilidades indispensáveis à vida cotidiana, seja para ajudar o progresso espiritual ou como base para a multiplicação daquelas mesmas riquezas. É evidente, porém, que o capital sob o sistema capitalista, não se limitou a influir sobre a economia dos povos, mas adquiriu tal supremacia que tal sistema não pode ter hoje outro significado senão este: “predomínio do capital”. E não seria exagero dizer-se: “tirania do capital”.[1]

Já na encíclica “Rerum Novarum”, publicada em 15 de Maio de 1891, o Papa Leão XIII condenava a concentração das riquezas “em mãos dum pequeno número de capitalistas”[2] e a consequente miséria dos trabalhadores. Quarenta anos mais atarde, na encíclica “Quadragesimo Anno”, outro grande Pontífice da Igreja Católica, Pio XI, atualizando e desenvolvendo as recomendações de Leão XIII, criticava também, energicamente, a exploração capitalista.

Sobre o famigerado sistema econômico disse Plínio Salgado, em 1933: “O Capitalismo quer o triunfo dos mais fortes, na lei da concorrência. Um a um, serão absorvidos os lutadores. Chegará a ocasião em que dois ou três financistas terão proletarizado todo o gênero humano.” E mais: “Capitalismo e Comunismo são dois nomes para designar a mesma coisa: o Materialismo.” (Plínio Salgado — “Madrugada do Espírito”).

De fato, o sentido consagrado da palavra capitalismo é o predomínio ou hipertrofia do capital. É o que nos revela a História, é o que confirmam os fatos contemporâneos.

Errados, pois, andam aqueles que pugnam por um “capitalismo mitigado ou moderado”, coisa impossível, dadas a origem e a essência de tal sistema, que são o materialismo e o individualismo.

Igualmente errados estão aqueles que defendem o capitalismo com o fim de preservar a existência da propriedade privada, cujo direito de posse é negado à imensa maioria dos homens exatamente pelo sistema capitalista, através da constante e crescente centralização econômica.

Outro tanto errados se revelam os comunistas, tentando inutilmente suprimir a propriedade ou o capital privado (que é uma coisa legítima), para, dessa maneira, acabar com o capitalismo (que é uma coisa ilegítima). Inutilmente, dizemos, porque se o Estado tira as terras, as casas e o dinheiro aos trabalhadores, restam a estes as roupas e objetos de uso, que continuam sendo propriedade particular. E se até isso o Estado arrancasse aos homens, deixando-os inteiramente despidos, a estes restaria a alimentação ganha em troca de trabalho escravo; e os alimentos representariam, de qualquer forma, um capital, uma propriedade privada. Na verdade, para conseguir a supressão total da propriedade privada e, assim, manter-se coerente com a doutrina marxista, o Estado Soviético só tem um recurso: deixar os homens morrerem de fome…[3]

O recurso de transferir todas as propriedades privadas para o domínio do Estado não acaba com o capital nem com o capitalismo. Os capitais particulares, reunidos, passam a constituir o grande capital do Estado. Os capitalistas individuais cedem lugar ao Estado capitalista. O capitalismo privado é substituído pelo capitalismo estatal, na sua expressão bolchevista ou socialista, exercido por meia dúzia de funcionários burocratas, autênticos ditadores, de cujo caráter ou falta de caráter depende o destino do povo, sobre o qual tem direito de vida e de morte.

Com uma visão clara do problema, o Integralismo estabelece a necessária distinção entre capital e capitalismo.

Segundo a Doutrina Integralista, o capital é o resultado do trabalho, ou esse mesmo acumulado.

“O Trabalho não é antagonista do Capital, porque este é uma condensação do próprio Trabalho, uma soma de energias concretizadas num potencial econômico. Nestas condições, não compreendemos, nós, integralistas, que o Trabalho seja, nem antagonista, adversário, inimigo do Capital, e nem tão pouco, que Trabalho e Capital devam harmonizar-se, no sentido que esta palavra adquiriu na técnica verbal dos teoristas burgueses. Só se harmonizam elementos “diferentes”, coisas distintas, e, para nós, integralistas, não há distinção entre Capital e Trabalho, pois um e outro representam a mesma coisa, em circunstâncias diversas.

A águia não deixa de ser água, quer esteja em estado de vapor, quer se apresente em forma de líquido, quer nos apareça nos blocos sólidos do gelo.” (Plínio Salgado — “Palavra Nova dos Tempos Novos”).

Justamente porque consideramos a propriedade privada, o capital, uma coisa legítima, a que todos os homens têm direito, de acordo com o seu trabalho, a sua eficiência e as suas necessidades, nós integralistas, combatemos o capitalismo, que viola esse direito, negando-o à maioria cada vez mais ampla, em favor de uma minoria cada vez mais reduzida.

“O direito de propriedade é fundamental para nós, considerado no seu caráter natural e pessoal. O capitalismo atenta hoje contra esse direito, baseado como se acha no individualismo desenfreado, assinalador da fisionomia do sistema econômico liberal-democrático. Temos de adotar novos processos reguladores da produção e do comércio, de modo que o governo possa evitar os desequilíbrios nocivos à estabilidade social.” (Plínio Salgado — “Manifesto de Outubro de 1932”).

Os integralistas assumem, portanto, a “terceira posição”, contra o capitalismo e contra a última etapa deste — o comunismo.

Bem sabemos que o grande mal do mundo, sob o aspecto que estamos tratando, tem sido a separação completa das duas esferas: a econômica e a política. De tal maneira o liberalismo materialista realizou essa separação que, toda vez que as forças econômicas tentam fazer-se ouvir e compreender, seus clamores são mal interpretados; e toda ocasião em que as forças políticas interferem no campo da economia, resultam soluções errôneas, incompletas ou já ultrapassadas.

Daí o resultado que vemos: os problemas econômicos e sociais agravando-se cada vez mais e as atividades políticas restritas quase exclusivamente às questões eleitorais e partidárias.

Felizmente, já se começa a sentir a realidade, embora nem todas a percebam com a mesma clareza.

Nos Estados Unidos, a Federação Americana do Trabalho (FAT) e o Congresso das Organizações Industriais (COI), as duas grandes e poderosas entidades dos trabalhadores norte-americanos, estão dando passos para fundirem-se e lançar um partido, que leve ao parlamento representantes trabalhistas, saídos de suas fileiras e que defendam ali os interesses dos seus associados.

Isso, evidentemente, não dará solução completa ao problema, maximé tendo-se em conta que o sindicalismo contemporâneo ainda se caracteriza pelo espírito de luta de classes, de violência soreliana, tão diversos do espírito cristão, conciliador e construtivo, embora intransigente na defesa da justiça e da liberdade. O fato, porém, é bastante significativo e vem confirmar a nossa opinião. Como bem o assinalou Plínio Salgado, “Os sindicatos querem ser partidos e os partidos querem ser organizações operárias.” (“Direitos e Deveres do Homem”).

Nossa tarefa, por conseguinte, é procurar o entrosamento, a sintonia da política com a economia e com os demais aspectos da vida humana. Só assim poderemos acabar com o capitalismo, o comunismo e todos os flagelos econômicos e sociais que atormentam os povos. Contudo, convém relembrar que esse é apenas um aspecto da nossa luta, aspecto que, apesar de merecer toda a nossa atenção, não nos faz descurar dos demais, tão certo é que desprezamos o unilateralismo e agimos sempre de acordo com a nossa concepção completa, integral, do Universo.

Autor: Orlando Carlomagno Huguenin. Retirado de “Seleções Populistas”, Janeiro-Fevereiro, 1951. págs. 53-54-55-56-57-58-59.

Notas:

[1] Miguel Reale reforça: “O capitalismo é o regime econômico da ordem segundo os interesses particularistas deste ou daqueles indivíduos. Toda ordem pressupõe uma finalidade, uma razão de ser: o capitalismo tem a finalidade em si mesmo.” (Miguel Reale, O Capitalismo Internacional, p. 224.)

[2] “A sede de inovações, que há muito tempo se apoderou das sociedades e as tem numa agitação febril, devia, tarde ou cedo, passar das regiões da política para a esfera vizinha da economia social. Efetivamente, os progressos incessantes da indústria, os novos caminhos em que entraram as artes, a alteração das relações entre os operários e os patrões, a influência da riqueza nas mãos dum pequeno número ao lado da indigência da multidão, a opinião enfim mais avantajada que os operários formam de si mesmos e a sua união mais compacta, tudo isto, sem falar da corrupção dos costumes, deu em resultado final um temível conflito.” (Leão XIII, Rerum Novarum).

[3] E, anos antes da publicação do artigo, a União Soviética assim procedeu: “Conquest estimates population losses due to collectivization, arrests and deportations, and famine to be 14.5 million, 7 million deaths directly due to the famine (Conquest, 1986, Chapter 16, p. 306). Andreyev et al. (1990) measure excess mortality due to the famine to be 8.5 million. Davies and Wheatcroft argue that Andreyev et al. (1990) projections do not account for underregistration of infant mortality and of mortality in less-developed Soviet republics, and estimate excess mortality to be 5.7 million (Davies and Wheatcroft, 2009, Chapter 13, p 415). In 2008 Russian parliament issued a special decree stating that 7 million people perished in the Soviet Union during this famine, Duma (2008). In Ukraine a team of researchers from the Institute for Demography and Social Studies headed by Ella Libanova estimates direct losses for Ukraine alone to be 3.4 million, Libanova (2008). In a more recent work, Mesle et al. (2013) argue that Ukraine was “missing” 4.6 million people by the 1939 census, including 2.6 million due to excess mortality. A team of researchers associated with the Harvard Ukrainian Research Institute estimate direct population losses in Ukraine to be 4.5 million, including 3.9 million excess deaths and 0.6 million lost births (Rudnytskyi et al., 2015).” (Natalya Naumenko, The Political Economy of Famine: the Ukrainian Famine of 1933. p. 1.) 

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